22.7.16

UAI: Life deixa claro que na indústria cultural, ninguém é inocente


Life é o quinto longa de ficção do holandês Anton Corbijn, de 61 anos. Ele é um fotógrafo com muitas e extensas ligações com o pop rock, já tendo feito clips, exposições ou livros sobre os artistas Tom Waits, The Rolling Stones, Depeche Mode, U2, Metallica, entre outros. Esse perfil torna o novo longa dele particularmente singular, já que o diretor volta as câmeras para os dramas humanos de quem não se enquadra nas dúbias glórias que o mundo da indústria cultural oferece. É um filme que mantém distância, inclusive visual, da ostentação que o mundo pop gosta de exibir, à medida que propõe intimismo, dramaticidade contida, fotografia elegante, provocativamente quase antiestética, e linguagem algo convencional.

A história escrita por Luke Davis é quase banal. Coloca na tela a amizade de Denis Stock (1928-2010), vivido por Robert Pattinson, um fotojornalista da revista Life com ambições artísticas, com James Dean (1931-1955), ator respeitado em ascensão em Holywood, interpretado por Dane DeHaan. Personagens e contexto são apresentados de forma rarefeita e sintética, com diálogos quase minimalistas, sem preocupação de localizar demais, temporalmente, o que se vê – tudo se passa em um vago “anos 1950”.



Stock tem de cuidar da sobrevivência e vive fotografando, entediado, poses ensaiadas de estrelas de cinema. Dean luta para atuar em filmes em que acredita e que deem vazão à sua fome de verdade artística, mas com declarado enfado pelas condutas da indústria cinematográfica. A revista Life, que o título do filme evoca, é, no final dos anos 1950, a publicação que revoluciona o jornalismo ao abrir amplos espaços para a fotografia, espetaculariza a vida e ídolos norte americanos. Stock vê em Dean tema de ensaio que abra as portas das galerias de arte para ele, e aposta nas diferenças do ator com o star system.

O personagem vê no ator, inclusive, sinal de algo novo que está surgindo na Nova York dos anos 1950. O filme não diz, mas vale lembrar que new thing é também o nome do free jazz, então nascente, ícone de extensa experimentação artística, movido por mal-estar com a sociedade industrial, que, embebida em filosofia existencialista, vai renovar a dança, o teatro, as artes plásticas e a poesia norte-americana.

Trabalhando com inteligência as diferenças entre a vida dos artistas e a abordagem que a Life traz dela, sem retórica nem pedantismo, Anton Corbijn, constrói um filme sobre muitos temas: publicidade, jornalismo, arte, cinema, verdade etc. E especialmente sobre como a indústria cultural manipula esses elementos para vender produto e padrões discutíveis (de beleza, comportamento, felicidade, vida etc.). Fato que, muitas vezes, traz dramas humanos enormes para quem busca inserir arte no circuito mercantil da indústria, não se enquadra ou não gosta do jogo criado com belezas fotogênicas, frases ensaiadas e fofoca. No filme, o tema da arte ganha resposta pragmática: ela às vezes vence e muda as regras do jogo, mas, muitas vezes, tomba levando à ruína, inclusive existencial, artistas verdadeiros.

Pela complexidade do tema, mas também por prudência, Anton Corbijn deixa claro que, no contexto da indústria cultural, ninguém é inocente. Mas evita acusações ou explicações. Ao retratar um ator que revela a si próprio quando interpreta, faz bonita reverência a todos os que têm talento e lutam para fazer arte de verdade. Life tem sabor drummondiano, no sentido que, com jeito nostálgico, pontua, de fato, ironia até afetuosa, mas dilacerantemente corrosiva. Anton Corbijn, vale recordar, volta à segunda vez ao tema dos descompassos entre arte e vida. É do diretor o longa Control (2007), sobre Ian Curtis (1956-1980), um dos criadores da banda Joy Division, rebatizada de New Order após a morte do vocalista.

Fonte |  Via  | Robcecadas

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