17.2.17

Cinema em Cena:Robert Pattinson continua a provar que teve seu talento desperdiçado em Crepúsculo


A Cidade Perdida de Z pode até estar presente no título desta ambiciosa produção dirigida e roteirizada pelo ótimo James Gray a partir de um livro de David Grann, mas não é seu elemento central. Este papel cabe a um tema ainda mais interessante do que a busca por ruínas de um lugar mitológico: a obsessão que esta desperta no herói.

Vivido por Charlie Hunnam a partir de uma figura real, o explorador Percy Fawcett foi um oficial britânico que nos primeiros anos do século 20 foi designado por seus superiores para encabeçar uma missão ao Amazonas patrocinada pela Royal Geographical Society. Aceitando a tarefa com o propósito principal de recuperar o nome de sua família (“Ele tem sido desafortunado em sua escolha de ancestrais”, explica alguém do modo mais inglês possível), Fawcett é acompanhado na jornada por Henry Costin (Robert Pattinson) enquanto sua leal esposa Nina (Sienna Miller) permanece na Inglaterra cuidando sozinha dos filhos. Depois de descobrir artefatos arqueológicos na selva, contudo, o major Fawcett se torna obcecado com a ideia de encontrar a cidade da qual estes vieram, retornando à floresta e aos seus perigos mais duas vezes ao longo dos 20 anos seguintes.



Com uma fotografia soberba do veterano Darius Khondji, The Lost City of Z expõe os sacrifícios feitos por Percy ao retratar de maneira quase idílica seus momentos com a família, transformando também a floresta amazônica em um paraíso de cores fortes, mas também ameaçador, com quadros fechados que constantemente sugerem a claustrofobia e a desorientação provocadas pelas paredes de verde e que se contrapõem à frieza de boa parte das cenas ambientadas em Londres. Assim, visualmente já compreendemos por que o militar, mesmo iniciando sua viagem por ambição, logo se torna apaixonado pelo que descobre, desenvolvendo um imenso respeito pelos nativos que conhece.

A palavra “nativos”, diga-se de passagem, tem importância primordial na maneira como Fawcett enxerga aquele mundo novo, já que se recusa a empregar, como seus conterrâneos, o termo “selvagens” para descrever os índios. Aliás, o filme se esforça ao máximo para evitar estereótipos, retratando os povos encontrados ao longo da expedição como comunidades multifacetadas e bem mais sofisticadas do que os britânicos aceitam reconhecer. Na verdade, se há selvagens neste longa, estes são os homens brancos que, como o próprio protagonista afirma, se entregam aos preconceitos despertados pela religião e pela arrogância para diminuir e destruir os nativos (o cineasta inclui momentos que expõem as marcas de chicote nas costas de um índio e a maneira animalesca com que um barão da borracha escraviza dúzias deles). Por outro lado, a integração daqueles povos com a natureza é ressaltada pelo modo como pescam apenas a quantidade necessária para alimentar a tribo e também pela forma como cultivam suas plantações em meio à floresta.

Sem depender de vilões para mover a trama (o mais próximo disso que o roteiro traz é um sujeito covarde que compromete uma das expedições com suas ações inconsequentes), The Lost City of Z usa a ignorância dos colonizadores como ameaça, tanto ao provocar conflitos sangrentos (há uma sequência eficaz nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial) como ao destruir as civilizações que encontra – algo que o protagonista se esforça para impedir, lançando-se em suas expedições para evitar que exploradores menos conscientes o façam.

Funcionando como uma aventura clássica ao trazer os heróis enfrentando canibais (nem estes são vistos como monstros), piranhas, animais selvagens e a pura exaustão, o longa é dirigido com elegância por James Gray, cuja decupagem cuidadosa resulta em belos cortes como aquele no qual uma bebida escorrendo faz um raccord gráfico com um trem que atravessa a tela. Além disso, o design de produção faz uma impecável recriação de época(s) e provoca choques bem-vindos como aquele nascido da revelação da fazenda Jacobina e da apresentação de uma ópera no meio da Amazônia. Para finalizar, a ideia de usar as cartas trocadas por Percy e Nina como narração em off para suavizar certas elipses pode não ser original, mas é eficaz.

Sienna Miller, diga-se de passagem, transforma a sra. Fawcett em uma personagem bem mais complexa do que poderíamos supor a princípio, evitando compô-la apenas como “a esposa do herói” e convertendo-a em uma mulher independente, forte e que protagoniza o momento mais tocante da projeção em um monólogo no terceiro ato. Enquanto isso, Robert Pattinson continua a provar que (como Kristen Stewart) teve seu talento desperdiçado na série Crepúsculo, trazendo humor e inteligência a Costin, ao passo que Charlie Hunnam traz carisma, intensidade e peso emocional ao protagonista, atravessando convicentemente o processo de envelhecimento de Percy e permitindo que vejamos em seus olhos a obsessão crescente por sua busca insana, fascinante e corajosa.

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