30.5.17

Cinema em cena:Good Time é intenso (Festival de Cannes)

A proposta de Good Time, dirigido pelos irmãos Joshua e Ben Safdie, é algo que fica claro já em seus créditos iniciais, que, grafados em neon, acompanhados por uma música eletrônica e trazendo informações sobre copyright sob o título, apontam uma abordagem estética que agregará elementos das décadas de 70 e 80 para contar a história de Connie Nikas (Robert Pattinson), um rapaz que, determinado a conseguir dinheiro para se mudar com o irmão Nick (Ben Safdie) para um lugar no qual este escape da brutalidade da avó, decide levá-lo em um assalto a banco que logo começa a dar errado.

Fotografado por Sean Price Williams com uma paleta cujas cores parecem ter sido filtradas por luzes fluorescentes que tiram sua vitalidade e diminuem consideravelmente o contraste, o filme tem uma estética calculadamente crua que reflete com propriedade o universo do protagonista, que, mesmo criminoso e capaz de violência, projeta um ar de inocência e doçura que, somado às decisões impulsivas e estúpidas que frequentemente toma, resulta num protagonista surpreendentemente complexo para uma obra que tem mais pretensões de funcionar como exercício de estilo do que como estudo de personagem.

Parte do mérito por isso cabe a Robert Pattinson, que, além de trazer suavidade a uma figura tão bruta, mantém as boas intenções de Connie sempre palpáveis sob seu desespero e suas explosões – e é curioso perceber como somos simultaneamente convencidos de que ele não faria mal às pessoas que
cruzam seu caminho, mas também de que talvez fosse melhor não testar esta suposição. Igualmente instrumental para a eficácia da narrativa é a performance do co- diretor Ben Safdie, que, como Nick, convence o público da deficiência do jovem sem apelar para caricaturas (sua composição é tão boa, devo dizer, que me vi compelido a pesquisar se ele realmente tinha alguma limitação cognitiva). Aliás, Jennifer Jason Leigh alcança um efeito similar com sua personagem, que, com apenas poucos minutos de tela, deixa uma forte e triste impressão de uma mulher frágil psicológica e emocionalmente. Fechando o elenco principal, Barkhad Abdi, uma revelação em Capitão Phillips, aparece como prova viva das dificuldades enfrentadas por minorias para conseguir papéis relevantes no Cinema.

Sem jamais conceder um descanso para o público, Good Time tem um claro parentesco com obras como Depois de Horas, mantendo-nos juntos ao protagonista durante um relativamente curto – mas intenso – espaço de tempo, já que atira todo tipo de obstáculo no caminho de Connie, que também faz sua parte para piorá-los ao tomar sempre as piores decisões possíveis. A partir de certo ponto, aliás, a situação do rapaz passa a beirar o cômico, despertando risos nervosos (intencionais) da plateia diante da constatação de que os realizadores não permitirão um momento sequer de alívio – e se o longa tem algum problema, este não é o tédio.

Com um desfecho melancólico, mas também esperançoso (na medida em que aqueles indivíduos podem ter alguma esperança), Good Time não é o tipo de trabalho que normalmente esperaríamos ver na mostra competitiva de Cannes, mas isto diz mais sobre nossas preconcepções acerca do que um festival como este deveria oferecer do que sobre o filme em si.


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