
Na verdade, quem ganhou foi Cannes, que tem com Good Time um dos melhores longas da mostra competitiva 2017. Ao lado dos russos Loveless (Sem Amor), Krotkaya (Uma Mulher Delicada) e do francês 120 Batimentos por Minuto, o longa de Benny e Josh é um dos fortes candidatos à Palma.
Cru, tenso e visceral na forma de acompanhar a longa jornada frenética noite adentro de seu protagonista, Good Time retrata o lado B da Nova York atual com a honestidade e o 'eu sei bem do que estou falando' raro de se ver no cinema. Esta honestidade narrativa sobre este universo há tempos não se via. E é impossível não lembrar de Travis, David ou do L.T. de Vício Frenético. Mesmo que o Bad Lieutenant do longa de Abel Ferrara seja um policial vivido por Harvey Keitel, o calvário dos que vivem nas sombras da metrópole une Connie a todos seus ancestrais do cinema.
Neste lado B da cidade, Robert Pattinson é um jovem tão perdido quanto inconsequente, que faz com que Nick, seu irmão portador de problemas mentais (vivido por Benny Safdie) assalte um banco com ele. O plano, claro, dá errado e Nick vai preso. E assim começa a epopeia de Connie para livrar o irmão da cadeia, e da morte, uma vez que Nick não vai resistir em meio a maior violência do que já foi submetido desde a infância, regada ao tratamento violento da avô.
À imprensa de Cannes, Josh e Benny fazem questão de negar que a grande referência para construir o universo de Good Time foram os filmes ou os cineastas acima (nem mesmo John Cassavetes). "A inspiração do filme vem da vida real, minha amizade com Buddt Duress (que vive o recém-saído da prisão Ray no filme), de gente que vive esta realidade", comentou Josh.
Faz sentido. Realmente a crueza com que retratam este universo beira o documental, ainda que a trilha sonora seja praticamente onipresente e que a fotografia assinada por Sean Price Williams seja meticulosamente trabalhada. Em vez de glamurizar ou dar um tom artificial à trama, estes elementos criam uma atmosfera que nos faz mergulhar nesta longa noite com Connie. Por outro lado, os diretores tem consciência que Good Time também é um filme de gênero. "Foi um grande desafio para a gente dirigir um filme de gênero, no caso, o thriller", comentou Benny, que com o irmão rodou em 2014 o longa Heaven Knows What, lançado no Brasil com o título genérico Amor, Drogas e Nova York.
Outro aspecto que nos ajuda a embarcar na jornada de Connie é o próprio Pattinson. Seu rosto traduz a angustia de um personagem tao perigoso quanto frágil. "Eu adorei a energia dos filmes deles. Eles são muito autênticos, tem algo de selvagem. Eles são acessíveis, tranquilos. Foi muito bom filmar com eles", declarou o ator, que literalmente pediu para filmar com os irmãos. Por isso, Josh e Ronald Bronstein escreveram o roteiro já pensando em Pattinson.
"Robert nos procurou e disse que se a gente quisesse ele ia trabalhar até na cozinha do nosso filme. Mas a gente não quis", brincou Josh. "O que a gente queria é que ele nos trouxesse algo dele, uma relação entre nós muito de igual para igual", completou o diretor. Descobrir que o processo de criação do roteiro começou muito antes da primeira cena também ajuda a entender porque Good Time tem a consistência de quem sabe a história que esta contando. Benny e Pattinson atuam pouco tempo juntos na trama, mas é o suficiente para que a força entre dois irmãos seja entendida e, se não justifica, explica os atos de Connie.
Para se ter uma ideia do grau de detalhismo, Josh contou que escreveram toda a biografia de Connie, da infância ate a primeira cena do filme. "O mais difícil nem foi escrever o roteiro, mas ficar respondendo para o Robert as perguntas do tipo 'por que ele come assim?', 'por que ele faz isso?'", comentou o diretor. "O entusiasmo deles é incrível. Não é que eles so escreveram a biografia, mas também no set havia um grau de intensidade, de risco, de coragem que era imenso. Foi único e muito especial", comentou o ator.
Pattinson fez bem. Com um personagem que, por mais torto que seja, desperta empatia e nos conduz, o melhor a fazer era conhecê-lo. A obstinação do ator pode lhe garantir sua primeira Palma de Ouro. Pattinson tem concorrentes pesados, como o francês Louis Garrel, mas suas chances são reais. E se Good Time não sair da competição com ao menos um Grande Premio do Júri, a equipe presidida por Pedro Almodovar vai ter muito o que responder aos jornalistas ao final da premiação no domingo.
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