19.12.18

Críticas de "High Life" durante o Lisbon & Sintra Film Festival 2018

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Hoje Vi(vi) Um Filme: LEFFEST'18: High Life (2018) 

*8/10*

Um futuro distópico traz-nos um pai e uma filha a viajar no espaço sem perspectiva de regresso à terra. O buraco negro que parece ser o seu destino assemelha-se ao que a vida daquele homem se tornou desde que embarcou naquela nave. High Life é a proposta violenta e aterradora de Claire Denis dentro da ficção científica, com Robert Pattinson, adulto e paternal, ao comando.

High Life carrega uma visceralidade totalmente distinta da que podemos facilmente associar a outros filmes de ficção científica. Abundam corpos e fluídos, mas igualmente amor e cuidado. A perversidade anda a par com a pureza, entre passado e presente.


Nos confins do espaço, muito além do nosso sistema solar, Monte (Robert Pattinson) vive isolado com a filha pequena, Willow, a bordo de uma nave espacial. Monte, um solitário que usa uma severa auto-disciplina como protecção contra o desejo – o seu e o de outros – tornou-se pai contra sua vontade. O seu esperma foi usado para inseminar Boyse (Mia Goth), uma jovem que deu à luz Willow. Ambos eram membros de uma tripulação de prisioneiros espaciais, condenados à pena de morte. Usados como cobaias pela perversa Dra. Dibs (Juliette Binoche), são enviados numa missão ao buraco negro mais próximo da Terra.

A sociedade parece ter encontrado uma nova forma de se livrar dos delinquentes e criminosos e essa não passa pela reinserção, pelo menos no planeta Terra. Curiosa analogia com os tempos extremistas que correm no globo. Em High Life, os condenados estão livres no espaço, mas totalmente aprisionados dentro de uma nave, à mercê de uma experiência perversa.

Um filme incómodo, repleto de abusos e com uma forma muito inusual de encarar a sexualidade e a reprodução - eis que estas surgem extremamente intrusivas e desesperançadas. Reduzem-se a pouco mais que processos químicos? É difícil definir o lugar do desejo e do prazer naquela nave tão doentia. Curiosamente, ali os alienígenas são seres humanos.

Rumo ao desconhecido, as emoções parecem sugadas para o vácuo, a personalidade de cada um vai-se perdendo, aos poucos, tal como a vontade de viver. Mas no meio da despersonalização dos indivíduos daquela nave, há um jardim que os liga à Terra e às emoções reais, às saudades de casa e de si próprios. E é este visual marcado da nave que também nos faz divagar entre a familiaridade das relações e sensações terrestres, à nave, tão descaracterizada. A direcção de fotografia sabe jogar com esta dualidade, criando ambientes totalmente distintos.

Juliette Binoche é Dibs, a doentia médica responsável pela experiência naquela nave. A actriz é fenomenal ao tornar a sua desequilibrada personagem totalmente repugnante para o espectador, encarnando uma mulher totalmente louca. O visual de cabelo escuro muito longo, bem como os seus movimentos, e as suas atitudes, passadas e presentes, revelam, ao longo de High Life o porquê dos restantes tripulantes a apelidarem de bruxa.

Já o protagonista, Robert Pattinson é o contido Monte, tão paternal e cuidador como resignado à sua sorte. A sua auto-disciplina ajuda-o a lidar com o passado que o persegue e o presente que se revela um desafio inesperado. O actor continua a mostrar-se capaz de enfrentar todo o tipo de papéis.

E, a navegar universo dentro, Claire Denis foi capaz de criar uma assustadora história que ultrapassa o habitual na ficção científica. Que surpresa perturbadora - mas verdadeiramente eficaz.

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CANotícias: LEFFEST’18: “High Life” (Crítica) 

70%/100%

“High Life” é um filme realizado por Claire Denis que conta com Robert Pattinson, Juliette Binoche e Mia Goth nos papéis principais.

O filme leva-nos para o espaço e apresenta-nos Monte (Robert Pattinson) e a sua filha Willow, que vivem numa nave espacial, completamente isolados. Monte era um homem solitário que se tornou pai contra a sua vontade, depois de o seu esperma ter sido usado para inseminar Boyse (Mia Goth). Ambos eram membros de uma tripulação formada por prisioneiros, cuja missão era chegar ao buraco negro mais próximo da Terra. No entanto, eram controlados e usados como cobaias pela Dra. Dibs (Juliette Binoche), uma mulher bastante perversa que se encontrava a bordo. Depois de vários incidentes, Monte e Willow são os únicos sobreviventes e começam a ver-se cada vez mais próximos do buraco negro.

A ideia principal com que ficamos quando começamos a ver “High Life” é que é apenas mais um filme no espaço, como tantos outros. No entanto, à medida que a trama vai avançando, percebemos que estamos perante um filme bastante diferente e ousado.

A personagem interpretada por Juliette Binoche, a Dra. Dibs, é quem acaba por roubar todas as atenções do filme, tal é a sua perversidade. Depois de a vermos numa cena bastante sexual, ficamos mesmo com a ideia de que o filme é todo sobre sexo e sobre os instintos mais primários do ser humano para sobreviver. É interessante ver que, no final, mesmo alguém que esteve sobre uma espécie de “tortura” ainda consegue ter um lado humano e amar outro ser humano. As comparações que o filme a um determinado momento estabelece entre ser humanos e animais resultam bastante bem, precisamente quando percebemos as diferenças entre ambos.

A nível de cinematografia, o filme também consegue destacar-se, especialmente nos momentos em que a personagem principal fica a observar o espaço.

Talvez o maior problema deste filme seja o final, que fica um tanto em aberto. Ficamos com a sensação de que o filme se prolongou por demasiado tempo e tentou estabelecer algo, mas que não consegue ter um final tão interessante como tudo o resto.

“High Life” resulta então numa pequena surpresa, pelo facto de conseguir ser diferente entre tantos filmes do género. É daqueles filmes que são capazes de atingir o público de diferentes formas: muitas pessoas vão gostar, outras vão detestar e muitas vão desejar nunca o ter visto.

Positivo:
- É um filme no espaço com um plot bastante diferente do habitual;
- Torna-se numa surpresa, por ser bastante diferente do que seria esperado;
- Personagens muito fortes e bem construídas;

Negativo:
- O final parece ser um pouco “preguiçoso”, na medida que o filme estabelece o suficiente para um final melhor;

Magazine HD: LEFFEST ’18 | High Life, em análise

88/100

“High Life” leva Robert Pattinson e Juliette Binoche ao espaço na companhia de um bebé e da imaginação perversa e genial de Claire Denis. Este é um dos filmes que integram a secção não competitiva do Lisbon & Sintra Film Festival deste ano.

Algures no espaço sideral, uma nave viaja pela imensidão de vazio. Qual monumento-caixão, o seu interior guarda os corpos de uma tripulação há muito perdida, mas conservada em túmulos de plástico e tubagem industrial. Ainda existe vida a bordo, contudo, na forma de um pai e sua filha, Monte e a pequena Willow. Por entre corredores escuros e jardins desordenados, ele ensina-a a andar, alimenta-a e dedica toda a sua existência à bebé, única companheira viva que ele tem e eterna violadora da solidão em que Monte se parece querer confortar. Num dia, talvez o mesmo em que ele deita fora os cadáveres dos antigos companheiros e os deixa a flutuar no vácuo, Monte fala a Willow de tabus. Segundo o pai pedagogo, beber o mijo e comer a merda de nós mesmos é um tabu, mesmo quando tais detritos foram reciclados e já em nada se assemelham à forma original.

‘Tabu’ e ‘reciclagem’ são conceitos chave para se entender o buraco negro de ideias que Claire Denis edificou para este seu primeiro filme em inglês. Ou talvez seja só um guia que nos permite dar três passadas seguras para dentro de um labirinto antes de nos perdermos novamente. Tais incógnitas são uma constante neste estudo de solidão no espaço, onde o que é desconhecido das personagens é ainda mais inescrutável para o espectador que, se vier à espera de um filme fácil ou uma emocionante aventura de ficção-científica, mais vale nem sequer entrar na sala de cinema. Para muitos, um filme como “Blade Runner 2049” representa o máximo exponencial de um cinema de ficção-científica apoiada em ideias e conceitos complexos, em metáfora e em símbolo. Comparado com “High Life”, o filme de Denis Villeneuve parece uma fábula de Esopo contada a um público pré-escolar.

> Será que o filme é demasiado denso e complicado para o seu próprio bem?
Começando com o conceito de reciclagem, entenda-se que as origens da tripulação desta misteriosa nave espacial a definem como uma coleção de seres humanos reciclados. Conhecemo-los no passado da missão, antes do nascimento de Willow, e entendemos que todos eles são criminosos condenados a quem foi dada uma oportunidade para participar numa missão potencialmente suicida. Presidiários reciclados como heróis espaciais, ou cobaias condenadas à morte, por entidades superiores que consideram as suas vidas descartáveis. Até o sete presente nos seus uniformes e a adornar o exterior da nave marca-os como somente mais um número numa série de tripulações, todas elas destinadas ao martírio em nome do progresso num futuro cruel.

Talvez a mais cruel de todas as entidades em frente à câmara seja a Dr. Dibs, uma prototípica cientista louca que vê em si o potencial para a criação de vida, para a divindade no microcosmo da nave isolada. Com os seus cabelos longos e natureza obsessiva, ela parece quase uma bruxa, um xamã do esperma como Monte a caracteriza, que recolhe os fluidos da tripulação, tentando criar novos humanos perfeitos e usar as mulheres na nave como as incubadoras das suas experiências. Somente Monte, no seu celibato proto monástico, se recusa a fornecer matéria-prima à cientista que noutra vida terá cometido crimes bem além da imaginação dos outros tripulantes. É claro que neste mundo de “High Life”, a santidade da autonomia física é só mais um valor a ser dilacerado.

Não há copulação neste filme, mas há fisicalidade que transcende a reciclagem de fluidos e organismos da Dr. Dibs. O máximo que temos é uma violação em que um dos parceiros é mais objeto que participante humano e, é claro, a ‘fuckbox’ onde os tripulantes se masturbam e assim encontram uma distração que lhes permite continuar a viver. Não há sexo tradicional ou erotismo titilante, mas este é um filme de sexualidade, cheio de fluidos e necessidades fisiológicas, de gratificação genital e essa câmara de prazer onde as imagéticas de Jonathan Glazzer e Walerian Borowczyk comungam com o corpo em êxtase de Juliette Binoche. Não, este não é um mero filme sobre sexo, mas tem um plano visto do interior de uma vagina a ser penetrada com um dildo metálico.

É precisamente neste miasma fisiológico que a ideia de reciclagem se combina com a ideia de tabu. Afinal, que é uma fórmula cinematográfica infinitamente repetida senão um exemplo de reciclagem artística? E que é a quebra de convenção senão um tabu? A fisicalidade visceral que Denis traz ao espaço é em si um tabu, tratando-se a ficção-científica de um género onde a mente é infinitamente privilegiada em relação ao corpo. Quando entramos no patamar de obras de autor cheias de densidade concetual como este, então o privilégio do intelecto divorciado do corpo é supremo, a não ser que estejamos a participar num exercício de body horror. Denis viola tais tabus, mostrando-nos personagens que urinam, que comem e suam, que se masturbam e sangram, que sofrem, cujos seios lactam, cujos corpos não conseguem aguentar as manipulações dimensionais do espaço e se rasgam em agonizante carnificina.

-> Um filme sobre sexualidade e sobre o corpo, mas não sobre sexo.
Apesar disso, não é só em temas e conceitos do corpo que Denis viola os tabus e quebra os ciclos de reciclagem. Toda a construção formal do filme assume-se como um desafio direto às expetativas do espectador, desde a cenografia degradada e isenta de superfícies futuristicamente imaculadas, até à excisão de efeitos especiais para sugerir a ausência de forças gravitacionais. O que temos é uma depuração formal, uma proposta seca e dura de um futuro que não nos quer deslumbrar de modo algum. Até a integridade estética do filme é posta em causa e complicada, quando Denis inclui devaneios oníricos que violentam o tecido do filme, explodindo em memórias que parecem ter sido filmadas por Tarkovsky. Ou quando imagens da Terra, se manifestam como sonhos mal lembrados de um planeta que talvez já nem exista, mas que Monte tenta ensinar a Willow.

Enfim, “High Life” é confuso, mas talvez ainda mais intenso que esse sentimento, é a tristeza avassaladora que acompanha a sua odisseia espacial. Este é um estudo sobre aqueles que estão radicalmente sozinhos no mundo e acaba por se transmutar em algo maior e mais complicado, um grito gutural de reprodução em harmonia com um poema épico sobre o mergulho da Humanidade no ominoso desconhecido. Nas palavras da realizadora, é também um filme sobre ternura no espaço, sobre fidelidade, sinceridade e confiança. É um retrato do laço que une o pai e uma filha, o afeto e o amor que sobrevivem e perduram mesmo por entre a brutalidade de que o ser humano é capaz. “High Life” é tudo isso e muito mais. Pode ser difícil encarar os seus mistérios, mas há glória cinematográfica à espera dos espectadores que aguentarem e foram generosos o suficiente. No final, a Terra está longe, talvez não exista, talvez tudo tenha morrido. No fim, só existe um pai, uma filha, e uma linha amarela. O infinito, o desconhecido abre seus braços negros e abraça-nos no reconforto do seu horror e da sua maravilha. Deixemo-nos ser abraçados.

Conclusão
“High Life” é um filme de Claire Denis no espaço. Para quem é familiar com a oeuvre desta vanguardista mestra da sétima arte, tal descrição é mais do que suficiente.

O MELHOR: A linha amarela.

O PIOR: Cedências que Denis faz à necessidade de claridade informativa. Uma entrevista num comboio e o uso de narração em voz-off são passos em falso de particular notoriedade.


Fonte 123Via | Robcecadas

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